Madre Angélica atravessava de noite os escuros corredores do convento. Tinha aquele hábito. Dormia mal. Acordava invariavelmente duas horas depois de ter adormecido, no silêncio denso, escuro, só cortado pelas folhas das árvores, em conversa com o vento, no jardim, e pelo ressonar de várias das freiras – umas porque eram gordas, de enormes peitos, e aquele peso excessivo certamente lhes comprimia os pulmões, outras porque tinham sinusite, bronquite, enfim, várias obstruções do aparelho respiratório. Assim pensava Madre Angélica, invariavelmente, atravessando os escuríssimos corredores, ouvindo o ressonar das suas irmãs em Cristo, e concluía, sempre com um estremecimento: quantas obstruções e filtros e escuras passagens temos dentro de nós, acerca dos quais ignoramos tudo, e que sub-repticiamente se revelam ao conhecimento dos outros, na nossa inconsciência, pela calada da noite ou por qualquer outro lapso de nossa vigilância. Aqui chegada, Madre Angélica estremecia, mais ainda do que durante toda a caminhada. Ela tinha medo daqueles escuros e desertos corredores, mas tinha aquele hábito, aquele consolo no seu mau dormir: levantava-se da cama e dirigia-se à capela, onde entrava pela porta do coro, que dava para o interior do convento.
A capela destacava-se do edifício do convento. Tanto a sua porta principal como a porta da sacristia davam para a pequena álea que atravessava o jardim e conduzia até ao portão de ferro, bem alto, fechado à noite. Madre Angélica entrava, quase rangia os dentes com o arrepio que lhe dava o chiar da porta nos gonzos, descia pela escadinha de caracol e sentava-se num dos bancos da nave. Aí orava, pedindo a Deus vários socorros porque se achava muito imperfeita. No fim da sobressaltada caminhada sabia-lhe bem aquela solitária intimidade com Deus, toda a capela só para si.