Primeiro ela deitou uma droga no licor de ovo – a garganta em fogo, João correu para a cozinha e tomou bastante leite. Depois ela misturou soda cáustica na loção de cabelo, que lhe queimou as mãos. O vidro moído no caldo de feijão rangia-lhe os dentes – e rolava no chão do banheiro, as entranhas fervendo.
Chaveados no guarda-roupa o creme de barba, o talco, o perfume, João decidiu só comer na companhia dos filhos – e se, para matá-lo, envenenasse Maria também os filhos?
Ele dormia, cansado da viagem de negócio. Maria abriu o gás do aquecedor. Salvo pelo menino, que bateu na porta:
– Pai, acorde. Que cheiro é esse pai?
– Esqueci o cigarro aceso.
Já dormia em quarto separado. Ela recebia flores de antigos noivos. Fim de semana viajou sozinha para aborto de um filho que não era dele.
– Os dias que passei longe – anunciou para uma amiga – foram os melhores de minha vida.
O pai de João foi procurá-lo no escritório:
– Meu filho, o que está esperando? Você quer morrer – é isso?
Sem coragem de abandonar os meninos com aquela doida. Ou quem sabe amava a doida?
Na poltrona da sala, o copo de uísque na mão, lia os programas dos cinemas:
– Que filme gostaria de ver, Maria?
Um dos guris brincando a seus pés no tapete.
– Para você, querido.
Voltou-se e recebeu os três tiros no rosto.
– Mãe, por que a senhora fez isso? – e o piá limpava no pulôver branco a mãozinha grudenta.
– Agora não adianta mais.
Olho arregalado, a sogra surgiu na porta:
– O meu filho essa desgraçada matou.
Deitado o seu menino no sofá de palhinha. Vertia sangue das feridas e pingava numa bacia no chão.
– Tão bonito. Nem tinha pelo no braço. No carnaval saiu de mulher. Ninguém desconfiou.
De joelho, a velha enxugava a sangueira no bigode:
– Por que não dá o tiro de misericórdia?
Maria virou-lhe as costas:
– Tirem daqui essa louca.
Sozinha no quarto, vestiu-se de vermelho, pintou o olho, enfeitou-se de brinco. Toda em sossego sorria para o espelho.
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